quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Impunidade?

O caso Isabella chocou todo o Brasil, gerando muita polêmica. Mas, como todo esse caso começou?

No final da noite de 29 de março, a menina Isabella Oliveira Nardoni, de 5 anos, foi encontrada caída no jardim do prédio em que o pai mora, na zona norte de São Paulo. Ela estava em parada cardiorrespiratória. O Corpo de Bombeiros foi acionado e tentou reanimar a menina, sem sucesso. O pai de Isabella, Alexandre Nardoni, 29, e a madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24, foram levados ao 9º DP (Carandiru) para prestar depoimento, logo após a constatação da morte da garota. Isabella vivia com a mãe, porém visitava o pai a cada 15 dias. O pai, em seu depoimento, disse que, naquela noite, chegou ao edifício de carro, com a mulher e os três filhos dormindo. Disse que levou a garota para o apartamento, colocou na cama e a deixou dormindo. Conforme a versão de Nardoni, quando ele voltou ao apartamento, percebeu que a luz do quarto ao lado do de Isabella, onde dormiam os irmãos dela, estava acesa; que a grade de proteção da janela tinha um buraco; e que a menina havia desaparecido. Em seguida, ele disse ter percebido que o corpo da menina estava no jardim. Nardoni disse, depois, suspeitar que a filha tivesse sido atirada do prédio por algum inimigo seu. Um pedreiro, com quem o pai de Isabella havia discutido cerca de um mês antes, chegou a ser ouvido, mas o envolvimento dele no caso foi descartado.

Após análise do IML, foram achadas lesões incompatíveis com a queda. Surgiram, então, suspeitas de que Isabella tivesse sido agredida antes de cair da janela ou mesmo que ela não tivesse caído, mas sido deixada no jardim, depois de espancada. Segundo os investigadores, Isabella foi morta por seus pais. A madrasta agrediu e estrangulou, e depois o pai a atirou, ainda viva, do sexto andar. Nesse trabalho, não irei me prender aos detalhes do caso, mas, sim, a uma análise de certas questões que julguei importante. O ponto principal do caso não é o seu desenrolar, mas, sim, todas as questões que estão envolvidas e em conjunto com tudo isso.

Um dos principais pontos é sobre a violência infantil. Interessante como uma tragédia tem que ocorrer para que todo o Brasil acorde para um problema sério como o da violência contra a criança. O jornalista Gilberto Dimenstein, em seu site, comenta: “A morte da menina Isabella Nardoni deixou uma extraordinária herança. Ampliou o debate, como nunca, sobre um problema que ocorre no Brasil, mas sem grande repercussão: a violência doméstica contra as crianças.” Detalhe para o “sem grande repercussão”, foi através do caso Isabella que muitas carinhas brasileiras conseguiram atenção para o que estavam sofrendo. Segundo estimativas do laboratório de estudos sobre a infância da Universidade de São Paulo (Lacri), menos de 10% dos casos de violência física e psicológica chegam ao conhecimento das autoridades. A notícia desse infanticídio provocou uma verdadeira comoção nacional em nosso país que bate recordes de violência, cerca de 500 casos de violência infantil por ano.

O caso Isabella permite que os brasileiros reflitam sobre as causas dessa violência e os meios de reduzi-la, pois não é um fenômeno isolado. Com o passar dos dias, vemos mais e mais crimes contra crianças, cada vez mais violentos e absurdos. Como no caso, no Rio de Janeiro, em que a mãe jogou água fervente no rosto do filho de 10 anos enquanto ele dormia. Ou em Goiânia, depois de uma denúncia anônima, a polícia prendeu uma empresária acusada de torturar uma menina de 12 anos, que morava na casa dela. A polícia diz que encontrou a vítima acorrentada e amordaçada na cobertura de um prédio. A própria pressão do dia-a-dia faz com que as pessoas liberem a sua raiva e agressividade como forma de alívio. Um dos principais motivos apontados pelos especialistas para a agressividade é a violência transferida, onde a criança, por ser frágil, torna-se um alvo fácil. Os adultos precisam saber controlar essa agressividade banalizada. Talvez esse seja um ponto para o “sacrifício” de Isabella em rede nacional e para os outros muitos casos. A psicóloga Maria Izabel Rodrigues da Silveira Campos dá as dicas de como combater a violência infantil, “Cada um de nós tem uma responsabilidade diante do ocorrido. Porque precisamos começar a desenvolver a cultura da prática da não violência; que não é fácil, é uma conscientização. E, mesmo consciente, dá muito trabalho, mas vale a pena.”

Não podemos esquecer do carnaval que o caso gerou; será que encontramos camisetas: “Reconstituição do Caso Isabella Nardoni, Eu Fui!”? A garota, como o caso, virou assunto das mesas de bar até ao presidente Lula; duvido que nenhuma conversa, em algum ponto, não chegasse a tocar nesse assunto. Assim como na época da morte do garoto João Hélio Fernandes, também traumatizando e emocionando todo o Brasil. Ou, até mesmo, com o caso do desaparecimento da menina Madeleine McCann, que “foi transformado em hit mundial”, como disse editorialista da Folha, Hélio Schwartsman. Não é apenas a tragédia que nos faz prestar atenção a todos esses casos, mas, sim, o modo como a mídia nos expôs a todos eles. É notável a própria mídia divulgou, de maneira extrema, e colocou até mesmo nas conversas de bar, e na casa do presidente, os casos dessas crianças. “O "caso Isabella" é um drama familiar. Mas bate fundo nos medos e nos dragões que devoram o equilíbrio individual e instigam reações coletivas”, comenta a colunista da Folha, Eliane Cantanhêde; e esse é mais um dos pontos.

Cantanhêde ainda diz que fica a sensação de que Isabella continua sendo asfixiada, maltratada, humilhada e finalmente jogada do sexto andar todos os dias, de manhã, de tarde, de noite, de madrugada. A garota é uma vítima sem fim, pois tanto a mídia quanto as pessoas estão sempre tocando no assunto e, cada vez mais, mexendo nessa ferida. A cobertura desse caso está com cara de telenovela policial, de acordo com o jornalista Alberto Dines “a intensa cobertura dos meios de comunicação estaria transformando o país em um ’fórum de Sherlocks Holmes’”; assim como o mistério do assassinato de Odete Roitman, em Vale Tudo da Rede Globo. A mídia trata o caso como se estivesse elaborando uma novela ao misturar ficção e realidade; a cobertura pode também ser comparada ao reality show Big Brother, onde os participantes são vigiados 24 horas por dia. Correta mesmo foi a decisão da redação UOL para um caso tão complexo, decidiram não amplificar demasiadamente o caso, nota-se que apenas uma manchete sobre Isabella foi publicada e alguns dias mais tarde algumas imagens para entender o caso. Tereza Rangel, Ombudsman do UOL, comentou que “é como se a redação dissesse ‘não vou entrar na comoção ou histeria (dependendo do ponto de vista) que o caso suscitou’.” A cobertura do caso para o UOL foi terceirizado, todo o trabalho ficou por conta da Folha. Rangel ainda adverte que para esse tipo cobertura os cuidados devem ser redobrados, pois “a rigor um caso como esse não deveria ter cobertura extensiva da mídia, porque, se houver algum erro na divulgação de informações, os danos causados são incorrigíveis.”

“Incorrigíveis”, e se o casal indiciado for inocente? O jornalista Alberto Dines avalia que a mídia está esquecendo de uma de suas funções, que é provocar a reflexão: "Ninguém quer pensar, prefere-se acusar, julgar e encerrar o assunto. Todos estão julgando, mas não pensando; tal ato vai do povo à mídia. Certo número de jornais, ou outros meios, optaram em apontar a "culpa do casal", dando pouco destaque a contrapontos. Faltou espaço ao chamado "outro lado". O acerto da Rede Globo foi mostrar a entrevista com o casal Nardoni à nação, eles deram voz aos que não estavam sendo ouvidos; mesmo podendo ser uma grande mentira. Nota-se que todos os meios de comunicação erraram em determinados pontos. “Errar é humano, mas persistir no erro já é burrice”, esse ditado popular pode ser muito bem empregado a esse caso e a Escola de Base; estaria a mídia “dando o mesmo fora” da Escola? Em 1994, o casal de proprietários da instituição de ensino, além de um professor e um casal de pais, foram acusados de abuso sexual de crianças. A mídia cobriu exaustivamente o assunto, parte dela prejulgando os investigados, mas o processo foi arquivado por falta de provas. A vida dos envolvidos na Escola de Base e, agora, os pais de Isabella está marcada para sempre; acredito que uma pequena nota de rodapé contando a “barriga” não resolveria nenhum pouco o inferno que a vida dessas pessoas virou.

Caso os pais da garota sejam mesmo os assassinos, de que adianta serem presos, já que as leis não funcionam da forma que deveriam? Arnaldo Jabor em dois momentos comentou o caso Isabella, um dos comentários foi feito para o Estadão; outro para o Jornal da Globo, ambos no dia 22 de abril. “os ‘condenados’ estão pelas ruas; livres, leves e soltos. Com o crescimento da crueldade, se podemos dizer, as leis de execução penal deveriam ser mais eficientes, rápidas, com punições mais temíveis e relativamente cruéis, violentas e mais rápidas, também. Não há mais como tolerar todos esses crimes horríveis e, muito menos, nossas leis antiquadas; os crimes devem ser estudados e as penas devidamente revistas. A lei deveria ser mais temida, rápida e cruel.” Todo o caso mostra como a lei penal está antiga e ineficaz, como Jabor disse. “O sujeito (Farah Jorge Farah) que esquartejou a namorada em legítima defesa está solto. Elias Maluco, que cortou em pedaços o Tim Lopes estava em liberdade condicional, sabiam? O assassino Pimenta Neves que matou a namorada está condenado e livre.”

É incontestável que os criminosos, por meio da lei, consigam viver soltos ou sem julgamento; parece que nos dias de hoje o melhor é ser pego e deixar que a lei o liberte, ou faça com que o caso fique pendurado por anos e anos. Podemos ver com o passar dos anos que a lei realmente é cega, ou apenas aparenta ser; o cidadão possui direitos, mas existem direitos para esses monstros que encontramos soltos por aí? Para se ter direitos, tem que ser cidadão e cidadania é merecimento. “O crime é rápido. A lei é lenta.”

(Texto produzido no primeiro semestre de 2008, segundo ano de faculdade)

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