quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Invasão da cultura pop japonês por meio dos quadrinhos

Com suas características únicas, os mangás conquistam mais fãs a cada ano.

Inaugurada por Cavaleiros do Zodíaco em 1994, reforçada por Dragon Ball e Pokémon e maximizada por Naruto, a mania pelos quadrinhos (mangás) e desenhos (animês) japoneses no Brasil é inegável. No seu auge, entre 2000 e 2001, alguns títulos chegaram a ter tiragens de 200 mil exemplares quinzenais. Hoje a tiragem média é de respeitáveis 30 mil, mas os mangas seguem inspirando tendências e refletindo uma cultura de massas que, apesar de uma origem do outro lado do planeta, possui uma linguagem universal.

O comerciante Ricardo Zanetti, 27, acredita que tais títulos fizeram tanto sucesso por conta do roteiro bem elaborado, pelo toque de comédia em certas partes e “pela lição de vida que podemos encontrar nas histórias”. “Outra característica de sucesso é o fato de as pessoas verem elas mesmas na pele do personagem. Eles são humanos como a gente. Acho que não saímos voando por ai e soltando raios”, comenta o comerciante.

Além de o personagem ser mais humanizado que os demais quadrinhos, os mangás possuem o visual e a linguagem próprios e diferenciados. Mesmo fazendo parte do mesmo nicho, os comics (quadrinhos americanos) e os quadrinhos japoneses possuem características evidentemente distintas. A diferença visual mais característica está na ordem da leitura. O HQ japonês começa pelo que seria o fim do livro ocidental e seus quadros são lidos da direita para a esquerda.

Os estudantes Ana Beatriz Sá, 18, e João Carlos Nogueira, 16, acreditam que a originalidade está na diagramação dos quadros. “É interessante ver como os desenhos são colocados de forma diferente dos outros quadrinhos. Nota-se, também, que há uma grande preocupação com detalhes e como os cenários e personagens serão colocados para explicar melhor a história”, explicam. A estudante Carolina Rodrigues, 17, diz que começou a se interessar por mangás há cerca de sete anos, antes mesmo de saber o que era o estilo. “É bem fácil notar a diferença entre desenhos orientais e ocidentais. Enfim, eu já gostava e nem sabia”, explica Carolina.

Enquanto os comics (americanos) e os fumetti (europeus, especificamente italianos) possuem uma distribuição mais tradicional, para não dizer quadrada, os mangás optam e possuem certa liberdade no estilo. Com isso, notam-se quadros mais angulados, às vezes nem existindo uma caixa para “segurar” o desenho, e com personagens estourando as margens traçadas, ou seja, extrapolando suas áreas demarcadas. ”Os quadrinhos japoneses tem como principal característica a estética estilizada e a associação desta estilização com uma narrativa cinematográfica”, explica Daniel HDR, desenhista e ilustrador gaúcho que usa o estilo mangá produzindo para o mercado americano. “Diversos elementos gráficos a caracterizam, criando uma linguagem própria, que é quase que emblemática, e associa tudo à arte de movimento das cenas e as linhas de ação, chamadas speedlines”, completa. Nos Estados Unidos, Daniel ajudou a redefinir o estilo dos quadrinhos de super heróis, que atualmente tem um estilo similar aos mangás.

No Brasil, antes do auge do mangá, já existiam certos títulos que anos mais tarde se tornariam clássicos dos quadrinhos, como Akira e Lobo Solitário. Mas foi no ano 2000, com publicações de Samurai X, Cavaleiros do Zodíaco e Dragon Ball, que o mangá começou a expandir seus horizontes. Só a Conrad Editora imprimia cerca de 400 mil exemplares quinzenais entre seus títulos de maior sucesso.

Antes disso, os fãs, principalmente os não-descendentes, sofriam para encontrar seus mangás favoritos ou qualquer outro produto relacionado com os heróis japoneses. Além das incansáveis buscas pelo bairro da Liberdade, havia outro fator que dificultava a vida dos admiradores: o idioma. Os admiradores tinham que consumir o produto em sua língua nativa, o japonês.

Fabiano Otaguro, 24, lê mangás desde 1990 e acredita que o seu interesse pela língua japonesa veio da vontade de entender seus quadrinhos favoritos. “Comecei a ler mangás um pouco cedo, primeiro por conta da influência familiar e, segundo, porque meu pai morava no Japão na época. Ele sempre mandava alguma novidade interessante e eu queria entender”, explicou Otaguro.

Esse carinho pelos quadrinhos japoneses, além da vontade de se ter um material traduzido em mãos, fez com que surgissem autores nacionais – muitas vezes sem um sobrenome oriental – que produzem seus trabalhos no estilo mangá. São artistas que cresceram lendo as HQs japonesas, analisaram e captaram cada detalhe do diferente estilo gráfico que define o mangá e que sonham em, algum dia, publicar no Japão.

"O mangá brasileiro tem características próprias, pois se aculturou, assim como os japoneses imigrantes se aculturaram ao Brasil", explica Sônia Luyten, doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP e autora do livro Mangá - O poder dos quadrinhos japoneses. "Eu chamo essa aculturação de hibridização de estilo. Foi o caso da Holy Avenger e do livro Mangá Tropical, com enredos passados no Brasil", completa.

Apesar da quantidade de aspirantes a mangaká (termo japonês para autores de mangás), conseguir espaço nas bancas ainda é complicado. Em parte, pela concorrência direta com os originais do Japão e, também, pela carência de histórias originais, não tão “inspiradas” por outros títulos nipônicos.

Para o desenhista Alexandre Nagado, organizador do almanaque Mangá Tropical, que reúne diversas histórias ambientadas no Brasil, o jeito nipônico de fazer quadrinhos pode ter vários adeptos, mas não garante sucesso profissional. "No Japão o mercado é grande e os autores têm espaço para amadurecer", analisa. "Aqui, falta uma estrutura e investimento das editoras para criar e manter revistas que paguem ao autor o mínimo para ele subsistir e continuar se aperfeiçoando”, continua. “Sem um mercado duradouro, não haverá um amadurecimento de um bom número de autores.”

(Texto produzido no segundo semestre de 2008, segundo ano de faculdade)

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